DOHA, Catar. A maldição dos recentes campeões da Copa do Mundo parece ter sido feita sob medida para a França.
A seleção do país é incrivelmente talentosa, mas teve tantos fracassos épicos quanto sucessos memoráveis. Les Bleus sempre pareceram se esforçar para encontrar a linha tênue entre a lenda e a infâmia. É um programa acostumado a desafiar o destino, aproveitando a química dos vestiários para aproveitar ao máximo seu incrível pipeline de talentos. A França não precisa de uma fonte adicional de mana ruim.
Quatro anos após o Brasil retornar à final com o troféu do Rose Bowl (derrotando a França) em 1998, os atuais campeões da Copa do Mundo consideraram sua classificação irrelevante. Os vencedores de 98 (França), 2006 (Itália), 2010 (Espanha) e 2014 (Alemanha) foram eliminados nas fases de grupos subsequentes. Apenas a seleção brasileira chegou aos playoffs em 2006. Nos últimos três Campeonatos Mundiais – 10, 14 e 18 – os vencedores anteriores tiveram um placar agregado de 2-5-2 na primeira rodada.
Durante boa parte da correria (ou tropeços) nesta Copa do Mundo de inverno, a maldição deve ter sido real para a França, que conquistou o título de 2018 sem esforço. Jogos desequilibrados, excesso de lesões, brigas internas e escândalos foram quase constantes, e os "Azuis" chegaram ao Catar com apenas uma vitória em seis jogos. Quando o meio-campista Paul Pogba foi acusado (e posteriormente admitiu) de consultar um curandeiro, o destino da França parecia selado.
Mbappé marcou duas vezes pela França e eles chegaram à fase eliminatória da Copa do Mundo após dois jogos.
Mas, até agora, palavrões não são páreo para as esteiras rolantes no Catar. Não há nada de mágico no atacante do Paris Saint-Germain, Kylian Mbappé, de 23 anos. Na noite de sábado, a França se tornou a primeira seleção a chegar às oitavas de final no estádio 947, perto do centro de Doha – a Container Arena –, derrotando a Dinamarca por 2 a 1, longe do placar final.
A França dominou o jogo e Mbappé esteve em sua melhor forma. O técnico Didier Deschamps chamou o atacante de "locomotiva". Mbappé marcou dois gols: três em duas partidas pela Copa do Mundo e 14 em suas últimas 12 partidas pela seleção. Seus sete gols na carreira em Copas do Mundo igualam Pelé no maior número de gols marcados por homens com menos de 24 anos, e seus 31 gols pela França o colocam em pé de igualdade com Zinedine Zidane, o herói de 98. Jogador de futebol do ano três vezes.
“O que posso dizer? Ele é um jogador excepcional. Ele bate recordes. Ele tem a capacidade de ser decisivo, de se destacar da multidão, de mudar o jogo. Sei que os adversários terão que repensar sua estrutura contra Kylian. Repensar sua estrutura. Pensar na formação deles”, disse Deschamps na noite de sábado.
Mbappé, assim como este time excepcionalmente francês, parecia imperturbável. Sua preparação para a Copa do Mundo foi repleta de comentários sobre sua felicidade no PSG, rumores de que ele queria sair e egoísmo que certamente minaria sua inevitável ascensão ao estrelato. As respostas a essas perguntas são claras até agora: Deschamps disse que Mbappé se tornou o centro das atenções e o líder de sua segunda Copa do Mundo.
“Para mim, existem três tipos de liderança: um líder físico, um líder técnico e talvez um líder espiritual que articula bem seus pensamentos. Não acho que a liderança tenha apenas uma face”, disse Deschamps. Ele venceu a Copa do Mundo aos 98 anos como jogador e aos 18 como técnico. “Kilian não é muito falante, mas é como uma locomotiva em campo. Ele é alguém que empolga os torcedores e quer dar tudo pela França.”
Didier Deschamps deu a entender que poderia substituir alguns jogadores na última partida do Grupo C, na quarta-feira, contra a Tunísia. A França (2-0-0) terminará em primeiro se não for derrotada pelas Águias de Cartago (0-1-1), e a Austrália (1-1-0) venceu a Dinamarca (0-1-1) com um gol. Mudanças significativas estão ocorrendo. Se Mbappé descansar, isso pode afetar suas chances de ganhar a Chuteira de Ouro. Mas quase certamente não prejudicará a França. Os Les Bleus praticamente não pararam para o recomeço, apesar de vários jogadores de renome terem se lesionado nas últimas semanas.
Pogba precisa reaver seu dinheiro do curandeiro. Ele perdeu a Copa do Mundo devido a uma lesão no joelho. Seu parceiro de meio-campo naquela campanha na Rússia, quatro anos atrás, o indomável e icônico N'Golo Kanté, também foi descartado. Também foram descartados o zagueiro Presnel Kimpembe, o atacante Christopher Nkunku e o goleiro Mike Menian. Depois, a situação piorou. Em 19 de novembro de 2022, o vencedor da Bola de Ouro, Karim Benzema, se retirou do jogo com uma lesão no quadril, e o zagueiro Lucas Hernandez rompeu o ligamento cruzado contra a Austrália.
Se isso não soa como uma maldição, considere o seguinte: a França assumiu a liderança tardiamente e perdeu para a Suíça em uma partida da Eurocopa 16 no verão passado. Considere se aposentar do futebol internacional. A mãe e agente do meio-campista Adrien Rabiot, Véronique Rabiot, apareceu em uma câmera discutindo com as famílias Mbappé e Pogba. Esta é a França autodestrutiva à moda antiga.
A farsa absurda de chantagear Pogba e seu irmão virou manchete, e inicialmente houve rumores de que ele havia contratado um curandeiro para enfeitiçar Mbappé. A Federação Francesa de Futebol está em disputa com vários jogadores, incluindo Mbappé, sobre direitos de imagem e participação obrigatória em patrocínios. É simples. A aparente indiferença do presidente da FFF, Noel Le Grae, ao tratamento dado a Mbappé após a Copa Europeia deixou o astro sem outra opção a não ser renunciar ao cargo, agora uma agência intergovernamental com foco em investigações de assédio sexual e bullying.
Esse atoleiro parecia desacelerar o ritmo da França. Entre os fracassos que antecederam a Copa do Mundo estavam duas derrotas para a Dinamarca na Liga das Nações da UEFA. A maldição que parecia permear o jogo por meses tornou-se um fato consumado na última terça-feira, quando a Austrália abriu o placar aos nove minutos na estreia da França.
"Conversamos sobre maldições", disse ele. "Eu não me importo. Nunca me preocupo quando se trata do meu time... As estatísticas são inconsistentes."
Griezmann se destacou em ambos os lados do campo e seu trabalho defensivo foi uma grande parte do sucesso da França.
A França reagiu e venceu a Austrália por 4 a 1, ainda com força total quando o apito soou aos 974. Mbappé e Ousmane Dembélé criaram perigos devastadores pelos flancos, atacando em direção ao gol ou de longe, enquanto o trio de meio-campistas Rabiot, Aurélien Chuameni e Antoine Griezmann controlava completamente a situação. O jogo de Griezmann merece atenção especial. Sua estranha transferência para o Barcelona, seu desempenho abaixo do esperado no Camp Nou e seu ignominioso empréstimo ao Atlético de Madrid pouco fizeram para diminuir sua importância ou influência na França. Ele foi soberbo em ambos os lados contra a Dinamarca e habilmente assumiu o controle quando Les Bleus deixaram os dinamarqueses em frangalhos.
Depois de muitas chances perdidas no primeiro tempo, a maldição começou? – A França finalmente abriu o placar aos 61 minutos. Mbappé e o lateral-esquerdo Theo Hernandez romperam a defesa direita da Dinamarca antes de Mbappé chutar para o gol da França, dando a liderança ao time.
A França empatou minutos após escanteio cobrado por Andreas Christensen, mas a resiliência do campeão foi real. Aos 86 minutos, Griezmann encontrou Mbappé passando pela esquerda, e a maldição do então campeão mundial chegou ao fim. Adicione sua derrota à crescente lista de prêmios de Mbappé.
“O objetivo dele é jogar pela França na Copa do Mundo, e a França precisa do Kylian”, disse Deschamps. “Um grande jogador, mas um grande jogador faz parte de uma grande equipe – uma grande equipe.”
Horário da publicação: 29/11/2022